Rafa falou pela última vez aos meios de comunicação do Benfica “uns gostam, outros não”
Na última jornada, Rafa disputou o seu último jogo com a camisola do Benfica frente ao Arouca. Após o encontro no Estádio da Luz, o jogador que vestiu a camisola das águias durante oito anos fez um balanço ao BPlay.
NÃO QUIS HOMENAGEM. PORQUÊ?
“Nenhum jogador joga para homenagens. Joga para se evidenciar. Eu acho que nunca, e sempre disse isso… nunca quis câmaras, nunca quis prémios, nunca quis nada disso. Não tive interesse nenhum nisso, nunca vou ter interesse nenhum nisso. O meu interesse sempre foi que as pessoas gostassem de mim como homem, pelo meu caráter, pelo que eu sou, não por o Rafa jogador. Uns gostam, outros não, isso faz parte da vida, mas… homenagens não são para mim. Não quero nada disso.”
O PÚBLICO PEDIU, MAS DECLINOU BATER PENÁLTIS NA DESPEDIDA. PORQUÊ?
“Eu sabia que era o meu último jogo, a maior parte das pessoas sabia que era o último jogo, mas para mim o que me interessava era ganhar o jogo. Foi isso sempre que eu fiz em todos os jogos que joguei pelo Benfica, e, quando não pude estar lá dentro, o objetivo era sempre ganhar o jogo, nunca era o que A, B ou C faziam. O individual não conta para nada, e ali, para mim, fazer o golo ou não fazer, não era por aí. Eu nunca bati penáltis, não tinha por que começar agora. Não fazia sentido para mim.”
COMEÇAR E ACABAR O PERCURSO FRENTE AO AROUCA…
“Eu disse isto num grupo nosso que estava a bater tudo certo. A estreia foi contra o Arouca, em Arouca, e que a despedida fosse contra o Arouca, agora em nossa casa… Acho que foi uma coisa perfeita.”
FOI DIFÍCIL SEGURAR A EMOÇÃO QUANDO FOI ABRAÇADO POR TODOS?
“É sempre difícil porque, como eu disse há bocado, estou a abandonar uma coisa que é basicamente quase a minha carreira, são oito anos. As pessoas não têm muita noção do que são oito anos num clube, e acho que é isso que eu senti nesse momento, foi: OK, isto está a acontecer, está na minha hora, decidi que assim o fosse. Mostra que eu tenho uma grande família, fora da família que tenho em casa, e eu sempre disse isso. Para mim o mais importante serão sempre as conexões que eu faço e não o que eu faço como jogador, porque isso a mim não me interessa muito.
OS COLEGAS DISSERAM QUE QUERIAM GANHAR ESTE JOGO POR RAFA…
“Foi o careca [João Mário], o careca disse essa frase e eu gostei de a ouvir, porque é uma pessoa que eu admiro muito, é uma pessoa por quem eu tenho muita consideração, é uma pessoa, um amigo que eu vou levar mesmo para a vida, tal como muitos que deixo, que deixei e que já abandonaram o Benfica. Ouvi-los dizer isso é bom porque, lá está, não é o Rafa jogador. Eles conheceram o Rafa pessoa, e isso para mim é o mais importante.”
RELAÇÃO COM OS COLEGAS
“Se for a ver, eu acho que tenho mais amizades no futebol do que tenho fora do futebol. Isso diz muito sobre o que é o futebol, sobre o que é o balneário, sobre o que é a nossa vida cá dentro. Passamos tanto tempo cá dentro que muita gente se torna mesmo tua família, se torna pessoa de casa, se torna pessoa de… Tu sais daqui e queres ir jantar com essas pessoas, tu queres ir almoçar com essas pessoas, ou seja, a tua vida acaba por ser estas pessoas. Para mim, isso demonstra muito o que é o futebol e demonstra muito o que eu levo para a minha vida. O futebol deu-me muitas amizades, e amizades mesmo para a minha vida.”
PROPOSTAS LUCRATIVAS PARA SAIR NOS ÚLTIMOS DOIS ANOS RECUSADAS. PORQUÊ?
“Eu privilegiei sempre estar cá, não porque fui obrigado, não porque alguém queria que eu cá ficasse. Fui eu sempre que decidi, tivesse mais dinheiro, menos dinheiro, foi sempre uma decisão minha ficar cá porque a minha família estava cá, eu estava cá, eu sentia-me feliz cá. E acho que isso é o mais importante, eu sentir-me bem num sítio. E se eu me sinto bem num sítio, eu vou ficar, porque, para mim, isso vai ser sempre o mais importante, não interessa muito ‘Ah, aqui vais ganhar mais, aqui vais ganhar mais…’. Não foi isso, nunca, que eu quis na minha vida.”
OS TREINADORES
“O míster Rui Vitória foi a minha chegada aqui. Eu acho que nós não nos conectámos muito bem. É verdade, não há como fugir. Não tenho nada de mal a dizer. O máximo que posso dizer é: acho que nós acabamos por não nos conectar com toda a gente na vida. Eu não o entendi bem e ele se calhar não me entendeu bem a mim, mas fez um trabalho muito bom no Benfica, e foi o treinador que me trouxe para cá. O míster Bruno [Lage] foi uma pessoa que, quando estava tudo um bocadinho escuro, nos trouxe um bocadinho de vida. E quando digo ‘um bocadinho’, não é um bocadinho, a relativizar, porque foi mesmo uma pessoa muito importante no Benfica. Não foi devidamente apreciada, por assim dizer. Devia ter sido muito mais apreciado, e para mim foi um treinador muito importante. Aprendi muito com ele, e trouxe muito boa vida aqui ao Benfica e ao nosso balneário. O míster Nélson Veríssimo acabou por ficar connosco na altura em que o míster Bruno saiu. Não é fácil. As duas vezes em que ele esteve connosco, não é fácil, porque não foi programado por ele, não foi uma época programada por ele, foi acabar épocas, e isso nunca é fácil. Nós sabemos disso. E foi uma pessoa sempre muito honesta comigo, com quem eu ainda tenho relação e de quem eu gosto muito. O míster Jorge [Jesus] é uma das pessoas de quem eu gosto mais. Ele pode não saber disto, mas é uma das pessoas de quem eu gosto mais, porque eu gosto muito. Acho que a honestidade é uma coisa muito importante na nossa vida, e é uma pessoa muito frontal. Como é uma pessoa que não tem filtros, acaba por ser uma pessoa com quem eu me identifico muito, porque eu gosto muito disso. Acho que lhe sai tudo o que tem para sair, e isso a mim, como pessoa… gosto muito e aprendi imenso com ele. Foi um treinador com quem eu aprendi mesmo muito, que nos ensinou muito e que eu gostava que ele tivesse saído daqui [numa época] em que tivéssemos ganho um título, na verdade. O míster Roger [Schmidt] acaba por ser o mais fácil de falar porque é o nosso treinador. Espero que continue cá muitos anos. Espero que o apreciem como treinador, porque não têm a noção da pessoa que está aqui. Foi uma das fortes razões também para eu ter continuado no Benfica, numa altura em que as coisas estavam muito… Para mim, na minha cabeça, não estavam a fazer o sentido que faziam. E então foi o míster Roger que… Tivemos uma conversa quando eu cheguei cá, depois das nossas férias. E foi uma das razões também que me fizeram ficar cá. Sou muito agradecido por o que ele fez por mim, por ter percebido a pessoa que eu era, por ter sabido lidar comigo e gerir o que eu sou, porque acho que um treinador é muito importante também quando sabe lidar com as pessoas, sabe estar. O míster Roger foi muito importante aqui no meu percurso no Benfica, nestes dois últimos anos, e conseguiu trazer-nos títulos outra vez, depois de três anos.”
PRESIDENTE RUI COSTA
“O Rui, para mim, é difícil eu dizer Presidente Rui, porque para mim o Rui é um amigo. Foi ele uma das pessoas que me trouxeram para cá, na altura. E é o que ele é. Ele acolhe muito bem, foi jogador, sabe bem o que é que nós sentimos, sabe bem o que é que nós passámos, foi um grande jogador. E então, há a amizade que eu acabei por criar com ele, foi uma amizade muito importante para mim. É um amigo e será sempre um amigo. Devido a tudo o que nós criámos aqui, devido a todos estes anos, são muitos anos juntos, muito anos de relacionamento. E lá está, é isso o que eu gosto no futebol. Não interessa muito o que é que nós somos, interessa a maneira como nós nos tratamos.”
TRÊS CAMPEONATOS, TRÊS SUPERTAÇAS E UMA TAÇA DE PORTUGAL. QUE RECORDAÇÕES DOS TROFÉUS GANHOS?
“Não foram fáceis. Gostava de ter mais, como é óbvio. Sinto que muitas vezes podíamos ter tido outro desfecho, mas o futebol é assim. Para mim, o futebol e a vida são assim. Não é tudo como queremos, não vamos ganhar sempre, e o sabermos estar, o sabermos estar a perder, também é uma coisa que tive de aprender, e saber lidar, porque não é fácil. As pessoas pensam que nós saímos daqui e está tudo bem, porque ganharam o dinheiro deles e agora vão para casa, vão de férias. As coisas não são assim. Mas isto é a nossa vida. Nós gostamos genuinamente do que fazemos, e, para mais, o que gostamos mais é do sítio que estamos a representar, porque, lá está, é o sítio que nos dá as condições certas para conseguirmos evoluir, e para conseguirmos ser o que nós vamos ser, e o que nós somos. E então acaba, para mim, por ser um bocadinho de emoções mistas. Contente pelas conquistas, mas poderiam ter sido mais.”
OS ADEPTOS
“A verdade é uma: o Benfica quando está a ganhar torna-se o que o Benfica é. O Benfica quando não está a ganhar – e eu digo isto de quando está a ganhar troféus ou quando está a perder os troféus… Quando está a ganhar um jogo e quando está a perder um jogo, vai-se muito aos extremos… Do bom e do mau. Então, eu acho que se tem de começar a dosear um bocadinho a maneira como se trata as pessoas, porque nós cá dentro também somos pessoas, estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para conseguirmos ter o melhor desfecho no jogo, neste caso, em cada jogo. Tentar ganhar, porque o que interessa é o fim, o que interessa são os troféus, no fim, que conquistamos. E acho que muitas das vezes, porque um jogo não corre bem, já começar a duvidar do que está a ser feito não ajuda. E nunca vai ajudar ninguém. A pressão? Nós temos pressão. Isso faz parte do nosso dia a dia, não é por dizerem que A, B ou C é mau ou é bom que vai ajudar. O objetivo é apoiar o Benfica, e o objetivo é que o Benfica conquiste títulos. Nunca nos metemos à frente do Clube, e eu falo por mim, eu não me meto à frente do Clube e nunca me vou meter à frente de nenhum clube.”
SAUDADES?
“Como eu disse, isto vai-me custar mais do que eu alguma vez poderia imaginar, porque saberia que teria de sair e iria sair pelo meu pé. Nunca na vida ia esperar que já não tivesse condições para representar. Disse sempre que chegaria a altura, e eu saberia quando era a altura para sair, e foi isso mesmo que eu fiz. Eu cheguei a um ponto em que senti que estava na hora, que estava na minha hora. E pronto.”
BENFIQUISTA DE CORAÇÃO
“Eu sou Benfiquista, sim. É verdade. Não tenho problema nenhum em dizer isso. Amo o Benfica. Hoje em dia, faz-me muita confusão como é que o que interessa são fotos nas redes sociais, o que interessa é beijar o símbolo ou a maneira como se festeja um golo, quando se devia olhar muito para o que a pessoa é, para o que a pessoa faz e também para o que a pessoa… para o que a pessoa sente pelo Clube. Não é por eu não demonstrar sentimentos, porque é a maneira como sou como pessoa, que não sinta o Benfica ou que me esteja a ‘cagar’ para o Benfica, ou seja o que for. Acho que a maneira como eu estive no Benfica foi a maneira certa. É a minha maneira de ser, é a minha maneira de estar. Não vou mudar porque as pessoas acham que eu devo meter coisas nas redes sociais, ou tenha de festejar mais efusivamente, porque não é isso que me faz amar mais o Benfica ou o que me faz odiar o Benfica. Eu gosto do Benfica e amo o Benfica, à minha maneira, e vai ser sempre assim.”
O QUE DEU AO CLUBE E O QUE O CLUBE LHE DEU EM OITO ANOS
“Não sinto que dei muito ao Benfica. O que eu sinto, e o que vou sempre sentir, é: eu senti o Benfica. Eu estive cá porque quis, eu fiquei cá porque decidi ficar cá, nunca estive obrigado. E, acima de tudo, a minha família foi feliz cá, por isso, se a minha família foi feliz, e passámos maus bocados. Houve, como é óbvio, e há vida. Passámos situações boas, passámos situações más, mas sinceramente não guardo mágoa. Mas acho que uma coisa que também se tem de ter no Benfica, e tem de se sentir, é um bocadinho de respeito e de gratidão, porque nós não somos robôs, nós não somos máquinas. Vi muito colega meu e muitos amigos meus, que deram muito ao Benfica, e as pessoas não têm nem noção do sentimento que criam nas pessoas ao fazerem o que fazem.”
O QUE CHEGOU E O QUE AGORA SAI. QUE RAFA É HOJE?
“Boa barba. Sou este. Depois de oito anos, aprendi muito. Sem dúvida que sou um conjunto das duas, mas sou muito mais este, porque nós vamos sempre olhar para trás e vamos sempre pensar que somos uma versão melhorada de nós mesmos, e é isso que eu penso de mim. Acho que piorei em alguns aspetos também, mas isso faz parte. Mas, acima de tudo, tentei melhorar as coisas que menos bem fazia e a maneira se calhar menos boa que era. Talvez. Sem dúvida que sou um conjunto das duas, mas sou o jogador que se despediu neste último jogo [com o Arouca], como é óbvio. E a pessoa.”
Rafa mostra a alma… Benfiquista 🦅
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